Fugitivos de Kigali temem presença de soldados ruandeses em Moçambique

Fugitivos de Kigali temem presença de soldados ruandeses em Moçambique

  Luis Nhachote Cada 25 de Setembro Moçambique celebra as suas forças armadas. 25 de Setembro foi o dia no qual, em 1964, começou a ins

 

Luis Nhachote

Cada 25 de Setembro Moçambique celebra as suas forças armadas. 25 de Setembro foi o dia no qual, em 1964, começou a insurreição armada contra o colonialismo português, quando foi dado o primeiro tiro na vila do Chai, no distrito de Macomia, na província de Cabo Delgado.

Todavia, este ano, as honras foram partilhadas com as forças armadas do Ruanda – cujo presidente, Paul Kagame, foi recebido com direito a tapete vermelho quando chegou à Pemba, capital de Cabo Delgado, um dia antes. Hoje Cabo Delgado é palco de uma outra insurreição armada, e as Forças de Defesa do Ruanda estão a ajudar o governo de Moçambique a tentar pôr cobro à mesma.

Kagame enviou mil soldados e polícias para combater a insurreição Islamita muito antes de que a SADC (Comunidade do Desenvolvimento dos Países da África Austral) consiguisse mobilizar a sua própria missão militar à Moçambique.

Até à data, as forças ruandesas têm tido grande sucesso – aparentemente mudando o curso da guerra à favor do governo de Moçambique. Mas o ambiente de celebração não é partilhado pela comunidade ruandesa em Moçambique, que se estima em 4.300, cuja maioria reside em Maputo, a 2.440km de Pemba. A comunidade vê a aproximação entre o Presidente Filipe Nyusi e Kagame com suspeição.

O presidente da Associação dos Ruandeses Refugiados em Moçambique, Cléophas Habiyaremwe, acredita que o fortalecimento dos laços entre Kigali e Maputo é impulsionado por um negócio suspeito através do qual Kagame ajuda a a reprimir a insurgência sob o entendimento que os seus “esquadrões de morte de Kigali” recebem cheque em branco para atingir os refugiados ruandeses sem impedimentos.

Os receios dos refugiados não são sem fundamento: membros da comunidade já foram assassinados e raptados sem que as autoridades moçambicanas tenham resolvido os crimes.

Um rosário de crimes violentos

No dia 13 de Setembro de 2020, Révocar Karemangingo, foi morto a 50 metros da sua casa em Maputo por dois desconhecidos que se puseram em fuga. Karemangingo foi tenente no exército ruandês que foi deposto pelas forças de Kagame em 1994, que tinha-se tornado num homem de negócios em Moçambique, e vice-presidente da Associação dos Ruandeses Refugiados em Moçambique.

A 23 de Maio de 2020, alegados oficiais policiais moçambicanos raptaram o jornalista ruandês, Ntamuhanga Cassien, na ilha de Inhaca, a 38 kms da costa de Maputo. Alegadamente levaram-no a uma esquadra no bairro de Chamanculo, antes de entregarem-no ao Alto Comissariado do Ruanda em Maputo – embora não exista um tratado formal de extradição entre Maputo e Kigali. Cassien nunca mais foi visto. O Alto Comissariado não respondeu à uma solicitação para comentar.

Cassien vivia em Moçambique há quatro anos, depois de ter escapado de uma prisão ruandesa onde servia uma sentença alegadamente por ter conspirado contra Kagame.

Em Outubro 2012, o corpo sem vida de Théogène Turatsinze, antigo presidente do Banco de Desenvolvimento Ruandês e na altura vice-reitor da Universidade de São Tomás de Moçambique (USTM), foi encontrado amarrado e a flutuar no canal de Maputo. A útima vez que havia sido visto com vida fora na companhia de investidores estrangeiros num hotel onde os mesmos estavam hospedados. Até hoje o crime ainda não foi resolvido.

O nosso crime? É termos nascido em Ruanda

Falando ao The Continent no final de semana, Habiyaremwe disse que ver Kagame a ser recebido com honras de estado aumentou o medo dentro da comunidade refugiada ruandesa.

Os dois países nunca se deram bem historicamente, mas em 2019, a Ruanda estabeleceu um alto comissariado em Moçambique. Para a consternação dos refugiados e observadores internacionais, o primeiro alto comissário indicado foi Claude Nikobisanzwe. Nikobisanzwe tinha antes diso um diplomata na África do Sul – mas foi expulso por suspeição de envolvimento no assassinato de um antigo chefe da inteligência ruandesa, Patrick Karegeya, num hotel em Joanesburgo, em 2014. Karegeya tinha-se virado contra o regime de Kigali e se tornado num acérrimo crítico de Paul Kagame.

Habiyaremwe disse que a comunidade ruandesa em Moçambique não pode procurar ajuda no Alto Comissariado porque “não temos qualquer relacionamento com a embaixada – ela serve o regime e não os interesses dos cidadãos ruandeses”.

Muitos ruandeses exilados em Moçambique registaram-se como burundeses ou cidadãos de outros países, disse Habiyaremwe. “Oficialmente, existem 4.300 refugiados (ruandeses) registados, mas creio que haja por volta de 10.000. eles escondem-se por detrás de outras nacionalidades porque são perseguidos pelo regime de Kigali. O nosso único crime é de termos nascidos em Ruanda”.

Texto orginalmente publicado no The Continent 

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