“Oil&Gas” e as marcas do corporativismo

  Por Estacio Valoi     Como arvores de Natal em dias idos, na fase da prospecção do gás chegavam ao porto de Pemba em

 

Por Estacio Valoi

 

 

Como arvores de Natal em dias idos, na fase da prospecção do gás chegavam ao porto de Pemba em Cabo Delgado navios com luzes anunciando um futuro colorido. Pelas ruas roncavam motores de alegria, empregados andavam de bolsos cheios, construções para acomodar o gás desfilavam que nem cogumelos assim como as concessões mineiras também eram anunciadas a publicidade moda ‘ chique,’ o ‘El dorado prometido

Não tardou o ‘El dorado transformara-se num campo de batalha da expropriação de terra, pessoas espancadas, outras baleadas ou enterradas vivas, contractos mal celebrados entre o governo e as multinacionais que ao mesmo tempo ludibriavam o regime a seu favor,  o governo que fazia-se olhos de mercador, protegia as grandes corporações criminalizando aqueles que reclamavam pelos seus direitos, o estado e o estado da criminalização, as marcas da expansão do poder corporativo e o encolhimento do espaço cívico é patente.

 

As luzes flutuantes dos navios murcharam a soberania nacional  entregue ao Ruanda de onde o controlo do gás assim como as decisões tomadas em torno disto são tomadas em Kigali, os acordos entre Moçambique e Ruanda continuam no segredo dos Deuses, o Conselho da União Europeia adoptou assistência no valor de 20 milhões de  euros para apoiar o destacamento continuado da Força de Defesa do Ruanda na  província de Cabo Delgado e o primeiro gás exportado chegava a Espanha.

Em Moçambique, ficara a Impunidade Corporativa e a violação de Direitos Humanos, fenômeno que acontece a nível global, e que levou a organização denominada Justiça Ambiental  a versar sobre esta temática no seu ultimo fórum anual de 2022 em Maputo onde estiveram presentes  mais de 130 participantes de entre estes organizações da sociedade civil, activistas, membros de comunidades diretamente afectadas pelos megaprojetos advogados, especialistas, académicos e representantes do governo.

 

As marcas da expansão do poder corporativo e o encolhimento do espaço cívico são para o autor, arquitecto e activista Nigeriano Nnimmo Bassey da HOMEF  são visíveis a volta da África e sua estória onde as corporações transnacionais tem vindo a influenciar os sistemas governamentais . ‘Estão quase acima da lei então a maioria dos governos fazem aquilo que as corporações querem. As corporações tem o controle do sistema de segurança, usam os nossos exércitos, reprimem o nosso povo e em geral destroem o meio ambiente sem qualquer sentido de responsabilidade, então temos o espaço da sociedade civil ou cívico não apenas sendo afunilado pelo tipo de leis que temos mas pelo tipo de ação  das autoridades que as corporações transnacionais tem na área da mineração, petróleo, florestas e plantações pelo continente. Isto é realmente colonial porque as actividades dessas corporações não são para os africanos desfrutarem mas sim para exportação. As plantações produzem para exportação, o gás e petróleo minerais  são extraídos para exportação e poucas pessoas dos nossos cidadãos estão empregadas neste sector excepto como trabalhadores , no cargo de guardas de portões.

Estado e o Estado da criminalização

 

Para Bassey não duvidas que o governo mais protege mais as corporações transnacionais ‘  É uma realidade. Os nossos governos e as nossas forcas de segurança protegem mais as minas os gasodutos mais do que  protegem as comunidades, a vida das comunidades, pouca atenção no nosso próprio povo. ‘e por isto que temos mais e mais aumento da impunidade, nível alto de abuso de direitos humanos enquanto as nossas comunidades sofrem.” https://freedomhouse.org/country/mozambique/freedom-world/2022

E para mudar este cenário de impunidade ‘só será possível quando as pessoas estiverem unidas. Os problemas existem em todos os países. Quando os nossos povos se erguerem os políticos vão perceber que estão no poder porque nós assim os permitimos que ali estejam. Quando o sistema esta contra o seu povo sempre procuram formas de reprimir, oprimir, pessoas deslocadas, e a criminalização vai continuando sistematicamente. No delta do Níger de onde viemos, o governo e as petrolíferas, ate a mídia apontam as populações locais como estando envolvidas em vandalismo e sabotagem mas percebemos mais e mais que  éo oposto, são as corporações que estão envolvidas em actividades criminais mas porque as pessoas não tem poder, os governos culpabilizam as pessoas, comunidades, então o poder do povo é o ultimo recurso. Enfatizou o activista.

Em Moçambique enquanto as pressões jurídicas, políticas e económicas consideráveis vão sendo feitas contra os que se opõem a impunidade, as duras conquistas democráticas do país nas últimas três décadas estão sob pressão crescente, a lei do investimento internacional não favorece ao governo local sendo necessário rever ou revogar esses tratados, acordos. Segundo a pesquisadora Lea di Salvatore, PHD da Universidade de Nottingham no evento analisando sobre o poder das empresas transnacionais frisou que a lei do Investimento Internacional protege as corporações transnacionais assistindo as nos tratados internacionais provendo a investidores estrangeiros proteção extra.

“Ha muitos  tratados ineficientes. Os acordos de investimento permitem que  investidores estrangeiros processem os países onde exercem as suas actividades num tribunal internacional de arbitragem, e isto  acontece quando os governos desses países tomam medidas regulatórias que podem ter um impacto nos lucros esperados ou projectados das empresas e estas medidas podem ser para proteger o ambiente, para proteger a população local, ou mesmo sobre questões de impostos. Este tipo de processos têm-se verificado cada vez mais a nível da indústria de combustíveis fosseis devido a todas a medidas sobre a mudanças ambientais e climáticas. O risco de enfrentar disputas entre investidores e Estados no setor de combustíveis fósseis está aumentando exponencialmente. (Esta é a melhor maneira que encontrei para contornar a palavra responsabilidade)

Já podemos ver casos em que as companhias intentam contra as medidas que os governos avançam para tentar lidar com o fenómeno das  mudanças climáticas.”

A pesquisadora vai mais além referindo que os tratados,  não são para proteger os moçambicanos, mas as corporações

“ É exactamente o oposto, não são tratados para proteger os cidadãos e muito menos o governo porque estes tratados são feitos apenas para proteger investimentos externos. e’ um regime que foi criado como que para pretender que se esta a promover e atrair o investimento mas não ha evidencias de que este regime promove e atrai investimento, muito pelo contrario, muitos chamam este regime como forma de neocolonialismo onde as corporações podem reter o poder sobre os recurso naturais especialmente no hemisfério Sul . Todos estes tratados que podem ser ratificados entre dois países ou com vários países , uns ate rubricados a 20 ou 30 anos continuam fortalecidas fornecendo esta proteção extra apenas e exclusivamente para estas empresas de investimento estrangeiro.

 

É necessário olhar para o poder econômico dessas empresas, e para as razões pelas quais acabam forcando essas leis ou tratados.

 

“Precisamos de renegociar, reformar ou por fim completo a estes acordos de investimento porque são absolutamente desequilibradas e unicamente pro investidores e o que acontece ‘e que precisamos da comunidade mundial junta e especialmente os paises do norte (western world, like the EU) que são os quais iniciaram que a proliferação destes acordos, para por fim a estes acordos . Um exemplo concreto ‘e o que a União Europeia decidiu recentemente, que a união europeia vai se retirar do tratado da carta de energia, que é  um tratado sobre a o investimento energético que protege inclusivo os  combustíveis fosseis. Como este tratado vai contra as suas obrigações sobre as mudanças climáticas , a UE obrigam a todos os países e a União europeia a retirar-se deste acordo de investimento e neste contexto não será mais aplicável a nível dos países da  União Europeia e isto é um exemplo.

Isto significa que ‘e um único tratado rubricado pelos muitos países da União Europeia mas agora , infelizmente todos os membros , porque protege directamente as companhias de combustíveis fosseis . Significa que este tratado não é mais aplicável aos investidores da União Europeia dentro da União Europeia, todos os estados retiraram-se do acordo implica que este acordo não é mais aplicável, e muitos são aos países signatários deste acordo não mais poderão ter esta proteção porque os investidores tem esta proteção apenas se os seus estados forem parte do tratado . E  outa coisa interessante ‘e que estes investimentos tem o que chamamos de ‘cláusula de pôr do sol’ significa que a proteção de investimentos ainda continua por vinte anos depois da fim deste tratado e neste caso a UE providencia o uso desta e solicitou aso países europeus para renegociar a questão da ‘cláusula do pôr do sol.”

A questão que é importante sobre a decisão da União Europeia não apenas por ter pedido os países para a própria União retirar-se do tratado de Energia também solicitou os estados para reverem os seus tratados bilaterais de investimentos, e renegociar os tratados que trazem protecção para a indústria de Combustíveis fosseis . Este dado é muito importante porque propiciam um  espaço para todos os outros países que  não são parte da União Europeia, como Moçambique para renegociar os seus tratados pelo menos com todos os estados da União Europeia no sentido de não mais vai proteger as empresas da indústria de combustíveis fosseis e isto ‘e realmente histórico em termos de evolução em termos da lei internacional de investimento. Moçambique, se vier a construir infraestrutura para utilização interna destes combustíveis fósseis como gasodutos, oleodutos, etc, correrá o risco de ver esta infraestrutura ficar encalhada, e de ver o país bloqueado na dependência de combustíveis fósseis.”

 

O poder corporativo e o encolhimento do espaço cívico criam restrições na capacidade de trabalhar das organizações da sociedade civil, apesar dessas liberdades estarem previstas na constituição, defende o cidadão Fanito Salatiel, Advogado e activista humanitário presentes no evento: “em Moçambique nós temos em termos de hierarquia a Constituição da Republica, que é a Lei Mae e todas as leis subordinam-se a ela . e mesmo a nível da constituição a uma serie de preceitos a este nível que legitimam uma serie de prorrogativas onde uma das quais é essa liberdade de se associarem  os moçambicanos enfim de puderem se organizar e defender portanto interesses dessas organizações , esse ‘e o limite constitucional , esta abertura legal.

 

Entretanto do ponto de vista daquilo que nos vemos no nosso dia a dia, é verdade que existe aqui uma limitação, posso assim dizer do ponto de vista de alguma legislação ordinária por exemplo vamos falar no caso da lei das associações em que, diante das modificações que estão a ser feitas, a lei acaba ofuscando aquilo que são as prerrogativas dessas associações. temos por exemplo a lei do combate ao terrorismo, a questão da lei de branqueamento de capitais , todo esse conjunto de legislação acaba limitando o trabalho das organizações da sociedade civil. Como se sabe, a maior parte das ONGs tem um financiamento externo, então quando começa-se a criar uma série de limitações que controlam como elas sobrevivem, ou mesmo a questão do reconhecimento, isto limita os direitos e liberdades que estão plasmados na constituição, essa liberdade das pessoas poderem se associar , poderem defender os interesses da classe .

Minha visão é que de facto com a expansão do poder corporativo, é um facto e é verdade que esta limitação acaba afetando aqueles direitos ,digamos básicos da comunidade, os direitos fundamentais. Como sabem esses megaprojetos transnacionais elas são do ponto de vista econômico muito fortes e muita das vezes quando se inserem nas comunidades entram com uma serie de promessas e no final das contas nós vemos e temos vários exemplos como no caso da VALE  e agora o caso mais recente o de Cabo Delgado , penso que de uma forma geral, essa limitação da atuação das organizações acaba prejudicando a comunidade.” https://www.hrw.org/world-report/2022/country-chapters/mozambique

 

Cabo Delgado é um exemplo deste afunilamento das liberdades. hoje em dia temos esta questão do terrorismo, onde o Estado, ao invés de proteger os jovens e residentes locais, acaba excluindo-os dos benefícios da exploração dos recursos, negligenciando-os ou mesmo criminalizando-os, o que pode  servir como forma de catapultar os jovens a juntarem-se ao terrorismo.

 

“Essa questão é pertinente e é uma questão muito sensível e a abordagem tem que ser muito cuidadosa. Falar da questão do acesso aos benefícios versus jovens, é verdade que a questão da exploração dos recursos minerais, energéticos, isso a principio não trás benefícios diretos portanto é preciso tirar isso da cabeça das pessoas de que quando temos uma mina , já temos um projeto e vamos ter benefícios nas nossas casas , se não comíamos frango vamos passar a comer, não é assim que as coisas funcionam. Por vezes podem acontecer benefícios indiretos , como por exemplo a melhoria da condição das infraestruturas, uma escola ou vias de acesso melhoradas.” Mas isto é uma realidade que não esta acontecer, nós temos exemplos e qualquer moçambicano com uma visão desinteressada pode se ver que de facto, em quase todos os projectos, não se vê nem os benefícios directos nem os indirectos. Eu venho da provincial de cabo Delgado e nós temos alguns exemplos , em Namahumbir nós temos lá uma mineradora , temos em Balama, em Ancuabe e em outros sítios e já agora estamos a falar da situação da extração de gás, no final das contas em termos de impacto positivo na vida das pessoas eu acho que não vemos nada, e isto em algum momento vai servir de fundamento para algum ressentimento.A questão da liberdade , da manifestação é um principio constitucional, e sendo um direito fundamental , um das características do direito fundamental é a sua aplicação imediata e todas as entidades, quer publica ou privada deve respeitar este direito . O que  nós   de facto temos visto é o uso exacerbado da forca muitas das vezes desproporcional e desnecessária. Uso da forca é totalmente ilegal   não haja duvida quanto a isso.  A única observação que posso fazer quanto ao uso de cães , gás lacrimogênio, ate matanças , isso é totalmente abominável e não dignifica um estado que se prese ser de direito , quiça que respeite os direitos humanos da população.

Para Daniel Ribeiro, Coordenador Técnico da organização não governamental ambiental denominada Justiça Ambiental (JA), o gás natural do Rovuma, apesar do que se propala –  que vai trazer benefícios em termos sociais, impulsionar o crescimento econômico, trazer empregos para os locais, trazer desenvolvimento  para o Pais – nesta primeira fase parece que provou –se ter trazido alguns constrangimentos.

 

“Neste momento a única analise independente detalhada que nós temos é de uma Universidade na Franca e, por aquilo que n’os estamos a ver , baseado no estudo econômico deles, os benefícios econômicos não são aquilo que esta a ser prometido porque as projeções do governo e da empresa TOTAL são muito inflacionados. Estima-se que Moçambique só vai começar a receber dinheiro do gás entre 2035 e 2040 e, o volume total projetado pelo projeto baseado na  analise  deles é de 18 a 20 bilhões de dólares Americanos,  e nós olharmos para a vida total do projeto os montantes não ‘e tão grande.

Só para por em perspectiva , o ciclone IDAI, Keneth e as cheias que ocorreram criaram danos econômicos para Moçambique  em volta de 3 bilhões de dólares. Agora , 20 bilhões de dólares , em 2040 , em termos do que sito representa em termos de poder de compra , é equivalente a quatro bilhões de dólares agora . Quer dizer, se n’os temos um ano parecido com aquele do  IDAI ,KENETT e Cheias, as mudanças climáticas que estamos a prever, ter um ano mais cheio de calamidades deste tipo , em 2040 vamos eliminar 75% do rendimento econômico do projeto. A questão é que as mudanças climáticas já são uma questão global, e a exploração do gás da área 1 e da área 4 é equivalente a sete anos de emissões de gás efeito de estufa da Franca. A França é um país desenvolvido na Europa com emissões altas, então isto mostra a quantidade de gás de efeito de estufa que vai entrar na atmosfera, e consequentemente vai contribuir para o amento da crise climática à qual Moçambique é um dos países mais vulneráveis. Não se esqueça que o metano que é um dos gases que é libertado no processo de exploração do gás ,metano ‘e 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono durante vinte anos , então em cem anos é quarto vezes mais potente.”

Como alternativa, os oradores no evento levantaram varias sugestões como alternativa como ‘ catalizar mudanças, desde ecofeminismo a ecosocialismo, litigância estratégica, valorização dos saberes tradicionais, solidariedade internacional, etc.”

 

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