Quadro confuso e de desconfiança entre as FDS

Estacio Valoi A narrativa oficial sobre as Forças de Defesa e Segurança (FDS) de Moçambique é de militares e polícias que com bravura, patrioti

Estacio Valoi

A narrativa oficial sobre as Forças de Defesa e Segurança (FDS) de Moçambique é de militares e polícias que com bravura, patriotismo e espírito abnegado defendem a soberania nacional contra os ataques perpetrados pelos insurgentes islâmicos em Cabo Delgado.

Tão recentemente como na última semana de Outubro, o Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, disse que as FDS invadiram a Base “Síria”, uma base dos insurgentes, situada no distrito de Macomia, tendo morto 108 terroristas em confrontos que duraram 72 horas, para além de destruírem seis acampamentos, 15 viaturas, 20 motorizadas e três toneladas de diversos produtos alimentares.

Bernardino Rafael falava no decurso do XX Conselho Coordenador da PRM, realizado em Pemba. Se a intenção era apaziguar a nação moçambicana, gorou-se a possibilidade porque logo depois, o Ministro do Interior, Amade Miquidade, disse em Maputo, que o ataque à base saldou em 22 insurgentes mortos.

Esse quadro de contradição, confusão e intriga entre as lideranças policiais e militares parece consubstanciar as fontes militares do Centro de Jornalismo Investigativo (CJI).

A título de exemplo, em Junho último as FDS caíram numa emboscada ao tentar uma investida contra a Base Síria, que as nossas fontes argumentam havia sido planificada com rigor mas “com apoio dos crocodilos nossos colegas que vendem senhas- dar informação aos bandidos sobre as nossas acções, quantos somos que armas temos.” As fontes chegaram a essa conclusão porque por mais elementos que as forças tivessem nas suas investidas contra as bases terroristas, estes últimos pareciam ter toda a informação sobre “quantos somos, que equipamento trazíamos”.

Os terroristas têm até informação sobre os comandantes dos batalhões, isto porque, aparentemente, alguns deles até há algum tempo foram militares desmobilizados e que depois se juntaram aos terroristas. “Muitos são desmobilizados. Os que foram desmobilizados estão na linha do fogo,” acrescentam as nossas fontes.

Por exemplo, as fontes contam que existe um instrutor que veio la de Macanzene, província de Gaza chamado Caixão. Num ataque em Quissanga, “os Al-Shabab estavam a gritar, a procura dele. Queremos-te aqui ao vivo. Muitos dos bandidos foram treinados pelo Caixão, conhecem-no. Se capturarem o Caixão, não vão matá-lo mas sim levá-lo com eles para dar-lhes formação, treinos. Caso recuse, só sai de lá morto”

Aparentemente, o fluxo de informação é nos dois sentidos mas em benefício dos insurgentes, que também recebem informação sobre as posições e movimentações estratégicas dos contingentes militares.

Mas provavelmente esse cenário que roça à lesa pátria não aconteceria se o exército não funcionasse como um conjunto de pilha galinhas ávidos e sequiosos de fazer dinheiro. A narrativa que emerge é de uma forças de extorsão e corrupta até ao tutano.

As fontes contam que se sabe que os insurgentes costumam movimentar avolumadas somas de dinheiro. “Encontramos dois jovens. Sendo que, cada um tinha 100.000 meticais, iam a caminho do banco para fazer depósito, para enviar para os seus familiares., segundo as fontes. Não revelaram a fonte do dinheiro. Foram detidos e levados ao quartel das forças da Unidade de Intervenção Rápida (UIR). Os interrogatórios confirmaram serem insurgentes.

Parte do dinheiro dos insurgentes parece sair da venda de recursos minerais como turmalina, ouro, entre outros. O dinheiro foi confiscado mas acabou nas mãos dos chefes. “Não vimos mais nada. (Os chefes) dividiram aquele dinheiro entre eles e ficaram calados,” acrescentaram as fontes.

Os insurgentes tiveram menos sorte. Aparentemente a política oficiosa não é de levá-los à cadeia e subsequentemente às barras do tribunal. Quando não tombam em combate, são mandados para a lenha – um eufemismo significando execução sumária. Os relatos das fontes vem confirmar que o conflicto está a desumanizar as FDS, havendo uma linha muito ténue entre a conduta dos militares e dos insurgentes.

No auge dos combates que culminaram com a tomada da vila de Mocímboa da Praia pelos insurgentes, o batalhão das nossas fontes foi obrigado a ir abastecer os seus camaradas de trincheiras mas também foi atacado. “Um dos meus colegas que acabou morrendo nessa missão, capturou dois casais de elementos dos ‘Al-Shabab’. Mandou-lhes despir, obrigou-lhes a fazer o último sexo antes da morte,” diz a fonte.

“Eles transaram. Depois o meu colega que morreu la no combate, levou a baioneta e meteu na vagina da mulher, rasgou-a de baixo para cima, o mesmo que fez a outra,” acrescenta. Em seguida, os homens começaram a correr, fuga, mas um dos nossos colegas já tinha preparado o cano, disparou para a nuca do insurgente, imobilizou completamente-Morto.

O envolvimento de mulheres no conflicto parece ser um dado novo. Faz algum sentido macabro a barbárie a que os moçambicanos e o mundo foram expostos há coisa de dois meses através de um vídeo viralizado nas redes sociais, que mostrava o momento que as nossas forças torturavam um mulher nua, para depois sem dó nem piedade crivaram-na o corpo de balas.

Esse desenvolvimento é preocupante porque qualquer suspeição pode descambar em morte de uma mulher inocente. E o que piora a situação é o facto de que as tropas parecem andar frustradas com relação a pagamentos, e quem corre o risco de estar do outro lado da sua fúria são os suspeitos indefesos.

A situação de pagamentos aos militares é um pouco bicuda. O governo assinou um memorando de entendimento com a multinacional francesa Total visando o estabelecimento de uma força conjunta para a segurança do projecto de gás natural. O acordo preconiza que a Total preste apoio logístico à força conjunta.

O memorando veio oficializar um arranjo não-oficial que remonta dos tempos do primeiro mandato do Presidente Filipe Nyusi, Já nessa altura as FDS protegiam os interesses da multinacional, e na altura foi criada uma conta bancária para onde eram canalizados os dinheiros para o pagamento dos militares que integravam a força de protecção. O que sucedeu é que em parte isso criou uma estratificação remunerativa que, por conseguinte, cria um descontentamento entre as forças.

E como se não bastasse, os comandantes abocanham quase a maior parte do bolo fornecido pelas multinacionais. “Aqueles militares (comandos) lá em Quelimane (quartel dos comandos) diziam que tudo era para os chefes, estavam descontentes. Aqueles Mazdas, Fortuner eram escoltados pelos comandos, mas o dinheiro ia para os seus chefes,” acrescentam as fontes.

“Estás a ver esses insurgentes que a gente captura. Se tiverem algum dinheiro, aquele valor fica com os comandantes. Os primeiros insurgentes apanhavas no bolso com cerca de 700, 800 mil com eles. Isto foi em 2017, quando eu estava em Nangade. Desse dinheiro os militares que tivessem feito a detenção, recebiam entre 1.000 a 2.000 mil meticais, só para cada tropa beber,” prosseguem as fontes.

Por vezes as movimentações de dinheiro no seio das FDS são motivo de suspeição. “Quando o teu próprio colega percebe que tens dinheiro, olha-te com desconfiança. Como quem diz: ‘este deve ser um dos crocodilos’.” Crocodilo é o termo que os militares utilizam para descrever um agente dos insurgentes.

Mais: na era das tecnologias de comunicação e informação há alguns militares possuídos pela febre dos selfies fotografam-se, colocam as fotografias e videos nas redes sociais, denunciando a sua posição. Foi o que sucedeu quando uma vez os militares se preparavam para atacar a Base Síria, em Julho de 2020. De repente estavam a circular imagens pela rede social Whatsapp a publicitar que “já vamos invadir a Síria, entras daa ADDP como se fosses a Quissanga, Bilibiza. Os insurgentes já estavam em cima das árvores bem posicionados, a nossa espera. Houve fuga de informação. Esta questão da venda de senha continua.”. Ora, os insurgentes também estão nessas redes e não se precisar de se ter a inteligência de Albert Einstein para se adivinhar o desfecho.

Retomou-se o ataque  No mês passado Julho de 2020 fomos novamente quando fomos atacar os ‘Al-Shabab’  , conseguimos combater retirar los de lá mas pouco tempo depois os próprios ‘Al-Shabab’ , recomeçaram com o ataque. Nós la matamos e chamboqueamos, só quando ficamos convencidos de que tudo estava controlado, dois dias mais tarde, la ficou a arder, os ‘Al-Shabab’ atacaram.

Quando os insurgentes vêm atacar já sabem quantos militares estão naquela ou esta posição. As vezes encontram -te desprevenido. Os insurgentes atacam no formato L. Pensas que estas a atingir os insurgentes mas da forma como o L foi feito tu acabas indo na direcção deles, muitos dos nossos perderam vida.

As vezes tínhamos que amarar pano nos olhos só para não ficarmos com aquelas imagens chocantes na nossa mente. Tens miúdos de 14 anos, os insurgentes dão – lhes 1000, 5000 mil meticais. Tu podes acabar aceitando entrar no esquema (vigiar) ”

Do Quartel militar improvisado na Escola primaria de Quelimane que dista a cerca de 75 quilómetros de Palma e uns 7 da rotunda de Mocímboa da praia, 333 de Pemba. Ente os dias 4 e 8 de Agosto de 2019 que um batalhão de comandos sofreu uma emboscada, tendo sido mortos cerca de 80 militares. “O que aconteceu ali foi uma emboscada, muito bem organizada. Tinham toda a informação, coordenadas.”

As fontes acusam os comandantes de também não estarem a ajudar. “Não há disparos. Pode aparecer o inimigo, não atirem. Ouvir-se a voz do chefe do batalhão, a voz dele a dar comando ao militares para não atirarem sobre os terroristas, a dizer não respondam. Se o comandante não autoriza a disparar, quem é você para disparar,” questionam as fontes.

Segundo as fontes, onde as FDS são bem-sucedidas é quando desobedecem os chefes, o que, na concepção deles, pode sugerir que alguns comandantes estão em conluio com os terroristas.

Primeiro, porque há momentos em que se pode montar uma emboscada contra os insurgentes, mas logo o comandante pode abortar o ataque. “Daquela vez que queríamos bombardear a Base Síria, os do governo negaram. Por que estavam a negar,” indagam-se as fontes.

Houve uma situação em que helicópteros levantaram vôo para mais uma acção de reconhecimento, só que interceptou-se uma chamada para os insurgentes e tiveram que abordar a missão. Quando regressaram, fez-se a formatura e ligou-se para o número interceptado. “A pessoa foi apanhada. Era um chefe e não um soldado qualquer,” rematam as fontes, acrescentando que há muitos infiltrados no seio das FDS. (CJI)

 

 

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