Tránsito para nenhures

Tránsito para nenhures O conflict de Cabo Delgado no norte de Moçambique deslocou mais de 800.000 pessoas. Luis Nhachote falou com alguns deles

Tránsito para nenhures

O conflict de Cabo Delgado no norte de Moçambique deslocou mais de 800.000 pessoas. Luis Nhachote falou com alguns deles, no centro de tránsito de Rapale, onde lutam para sobreviver enquanto forças locais e estrangeiras combatem para o controle das suas terras natais.

 

Fátima Cruz conseguiu chegar ao acampamento em Ripale, na província de Nampula, depois de caminhar 300 qulómetros com o seu marido cego de Mueda, em Cabo Delgado. “Somos seres humanos ignorados que sofreram todos os dias, durantes anos; pobreza, esquecimento e violência em Cabo Delgado,” Fátima disse ao The Continent ao telefone, falando em Emakhwa, uma das principais línguas no norte de Moçambique.

 

O conflicto de Cabo Delgado, que recrudesceu nos últimos três anos, deslocou mais de 800.000 e causou a morte de pelos 3.000. começou como uma insurreição de insurgentes zangados com o facto de o estado ter feito pouco para desenvolver a região nortenha, apesar de extrair minérios e gás natural. Sendo que, já se juntaram outros combatentes, que reivindicam afiliação ao Estado Islâmico e/ou aos grupos terroristas de al-Shabab.

 

Um combinação de soldados do exército moçambicano, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e Ruanda tem estado a lutar contra os insurgentes. O contigente ruandês de 1.000 soldados é a maior força militar envolvida no conflicto.

 

Fátima e seu esposo encontram-se no que o governo chama de centro de tránsito, que está sobrelotado com 6.000 residentes. O acampamento melhor apretechado para pessoas deslocadas internamente situa-se a 60 quilómetros mais a sul, em Corrane. Por não ser um ‘acampamento oficial’, o campo onde Fátima se encontra recebe muito pouco em termos de recursos.

 

“Nenhuma ONG funciona aqui. Apenas a Igreja Católica. As pessoas não têm nada. Não têm comida. Não têm panelas. Não tem nada para cobrir“, disse Joaquim Hernani, o líder da Igreja Católica em Ripale.

 

Não há energia no acampamento e as pessoas dormem no chão. O próprio Instituto Nacional de Gesão de Desastres ainda não havia chegado à Ripale quando o The Continent falou com as pessoas.

 

Cruz deixou a sua terra natal depois do último massacre em Muidumbe, próximo à sua casa. Com o seu marido, irmã e crianças, ela diz ter caminhado mais de 500 quilómetros à Ripale. “Só Deus é que sabe como caminhamos e chegamos salvos.”

 

A sua vizinha, Anastâcia Godinho, chegou dias depois de um outro acampamento de deslocados internos mais ao norte. Ela partilha a sua palhota com a irmã e seis outros familiares. Após à sua chegada ao acampamento, ficaram dois dias sem comer.

 

Godinho vem da vila de Xitaxi, onde em Abril de 2020, insurgentes convocaram os homens locais a uma reunião e massacrou-os. Os restantes aldeões aterrorizados fugiram e a vila ficou deserta. “Os corpos dos nossos familiares foram abandonados e alguns foram comidos por cães,” disse ao The Continent. Agora ela tem que recomeçar “com nada, deixamos tudo para trás.”

 

As pessoas não ‘podem reclamar’

 

Ripale fica situada na província de Nampula, que é governada por Mety Gondola, por indicação do governo. Gondola disse ao The Continent que o governo provincial está “preocupado” com a situação e já instruíu os líderes locais para dar aos deslocados terrenos.

 

Mas, o governo central parece cansado de ajudar. Falando de uma situação similar no acampamento central, em Corane, Armindo Nguga, o chefe da Agência do Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), um órgão governamental estabelecido em 2020 para acelerar o desenvolvimento das províncias nortenhas de Moçambique, disse há uma semana que “as pessoas não podem passar o resto das suas vidas recebendo apoio alimentar e reclamar de que não é suficiente.”

 

No entanto, sem nenhuma acção significativa da sua agência e de outros no governo, poderá haver pouco optimismo entre os que vivem no ‘acampamento de tránsito’, que ameaça ser a sua residência durante meses ou mesmo anos.

 

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